Saúde, Segurança e Meio Ambiente

Leis ambientais do Mato Grosso contrariam legislação federal

Leis ambientais do Mato Grosso, que estão aguardando sanção, podem reclassificar biomas da Amazônia, o que contraria normas federais e compromete acordos climáticos internacionais, colocando em risco vastas áreas de floresta.

Leis ambientais em Mato Grosso, aguardando sanção do governador, ameaçam hectares da Amazônia com critérios de reclassificação de biomas. A proposta, de autoria do Executivo estadual, pode impactar cerca de 5,5 mil hectares de floresta, segundo o Instituto Centro de Vida.

Impacto das novas leis ambientais

As novas leis ambientais aprovadas pelo Mato Grosso têm gerado preocupações significativas entre especialistas e organizações ambientais. O projeto de lei complementar (PLC) 18/2024, que aguarda sanção do governador Mauro Mendes, é visto como uma ameaça direta a aproximadamente 5,5 mil hectares de floresta amazônica. Segundo o Instituto Centro de Vida, essa legislação pode permitir desmatamentos em áreas que antes eram protegidas, alterando drasticamente o cenário ambiental do estado.

A diretora executiva do Instituto Centro de Vida, Alice Thuault, destacou que o projeto de desmatamento poderia ser implementado legalmente em 10% do território do Mato Grosso, o que representa um impacto ambiental considerável. Essa mudança é percebida como um retrocesso nas políticas de preservação ambiental, uma vez que facilita a reclassificação de biomas, permitindo que áreas da Amazônia sejam consideradas como Cerrado, com exigências de preservação menos rigorosas.

Além disso, a proposta legislativa fere a legislação federal, que estabelece a preservação de 80% da Amazônia, mesmo em propriedades privadas, enquanto a reserva legal do Cerrado é de apenas 35%. Com a nova lei, a definição dos biomas nas propriedades rurais poderia ser reavaliada e reclassificada, inclusive com base em amostras coletadas fora das propriedades, conforme o texto aprovado. Essa medida é vista como uma forma de burlar as normas de proteção ambiental vigentes.

Reclassificação de biomas e critérios controversos

A reclassificação de biomas proposta pelas novas leis ambientais do Mato Grosso tem sido alvo de críticas devido aos critérios controversos que adota.

Segundo a proposta, áreas da Amazônia poderiam ser reclassificadas como Cerrado com base em critérios como a altura da vegetação. Se a vegetação tiver menos de 20 metros de altura, a área poderia ser considerada Cerrado, o que reduz a exigência de preservação de 80% para 35%.

Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, critica essa abordagem, afirmando que os critérios não são adotados pela legislação federal e não refletem a complexidade dos biomas brasileiros.

A legislação federal utiliza a classificação de biomas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que considera diversos fatores além da altura da vegetação, como a biodiversidade e as condições climáticas.

A proposta do Mato Grosso ignora que a legislação ambiental é de competência concorrente, onde estados e municípios devem ser mais protetivos que a norma nacional.

Ao permitir que governos subnacionais definam critérios próprios, a medida pode comprometer a integridade dos biomas e enfraquecer as políticas de conservação ambiental estabelecidas pelo governo federal.

Histórico de confrontos com a legislação federal

O Mato Grosso tem um histórico recente de aprovar legislações que confrontam diretamente a legislação federal ambiental. Em 2024, a Assembleia Legislativa do estado aprovou medidas como a Proposta de Emenda Constitucional 12/2022, que limita a criação de novas Unidades de Conservação, e o projeto de lei 561/2022, que alterou a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai.

Essas ações têm gerado reações do Ministério Público do Estado do Mato Grosso e de partidos políticos de oposição, resultando em judicializações que já levaram a decisões liminares do Supremo Tribunal Federal (STF) declarando algumas dessas normas inconstitucionais. Suely Araújo, do Observatório do Clima, acredita que o mesmo destino aguarda o PLC 18/2024, caso seja sancionado, devido ao seu conflito com a legislação federal e os entendimentos nacionais sobre normas ambientais.

Essas iniciativas são vistas como uma tentativa de enfraquecer as políticas nacionais de conservação e proteção ambiental, promovendo uma flexibilização das normas que pode resultar em maior desmatamento e degradação dos biomas brasileiros. O histórico de confrontos evidencia uma resistência a políticas mais restritivas de proteção ambiental, refletindo interesses econômicos que frequentemente entram em choque com a preservação ambiental.

Implicações para acordos climáticos internacionais

A aprovação das novas leis ambientais no Mato Grosso pode ter implicações significativas para os acordos climáticos internacionais dos quais o Brasil é signatário. A diretora executiva do Instituto Centro de Vida, Alice Thuault, alerta que essas políticas estaduais, ao facilitarem o desmatamento, podem comprometer compromissos como a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 67% até 2035.

Além disso, a medida pode impactar negativamente a imagem do Brasil no cenário internacional, uma vez que o país tem se posicionado como um líder na luta contra as mudanças climáticas. A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ane Alencar, destaca que a mudança nas leis pode prejudicar os próprios produtores rurais do Mato Grosso, afetando a comercialização internacional de produtos agrícolas, pois o Código Florestal oferece segurança jurídica e valorização para aqueles que cumprem as normas ambientais.

As novas legislações podem inviabilizar políticas públicas importantes para a redução do desmatamento, como o Mercado de Carbono, recentemente aprovado no Congresso Nacional. A implementação dessas leis pode dobrar a possibilidade de desmatamento legal no estado, minando os esforços nacionais e internacionais para a conservação ambiental e a mitigação das mudanças climáticas.

Renata Figueiredo Maciel

Colunista no segmento Saúde, Segurança e Meio Ambiente (SSMA) | Renata Figueiredo Maciel é jornalista ambiental e bióloga, especialista em sustentabilidade, conservação e impactos industriais, traduzindo dados científicos em análises acessíveis sobre meio ambiente e políticas públicas.

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